OAB/RS reúne sociedade para refletir sobre a cultura do estupro
12/07/2016 18:49h
Uma pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Ipea, de 2014, mostra que, a cada ano no Brasil, 0,26% da população sofre violência sexual, o que indica que há anualmente cerca de 527 mil tentativas ou casos de estupros consumados no País, mas somente 10% são reportados à polícia. Dados alarmantes e um tema que precisa ser discutido, não só para alertar a população, mas também para ampliar o conhecimento sobre o assunto, foram apresentados na noite desta segunda-feira (11), no auditório da sede da OAB/RS. A iniciativa foi da Comissão da Mulher Advogada (CMA) e da Comissão do Jovem Advogado (CEJA), que realizou o painel Reflexões sobre Cultura do Estupro e a Violência Contra a Mulher.
No auditório, que estava cheio não só de mulheres, mas também de homens, foi analisada a problemática. A secretária-geral adjunta da entidade, Maria Cristina Carrion Vidal de Oliveira, a qual estava representando o presidente da OAB/RS, Ricardo Breier, acrescentou que a violência contra a mulher é um problema não só para aqueles que têm esposas, filhas, irmãs, mas também para a sociedade. “Uma sociedade saudável é aquela que respeita o homem e a mulher, portanto não adianta discutirmos a cultura do estupro, por exemplo, se não mudarmos a nossa forma de pensar e de atuar no dia a dia. E é por isso que estamos aqui, com especialistas no assunto, para pensarmos em fazer algo de melhor para todos”, enfatizou.
A presidente da Comissão da Mulher Advogada, Beatriz Peruffo, ressaltou o trabalho da Comissão em desenvolver o debate e disse que “quando se é falado em violência contra a mulher, muitos pensam que isso está somente na vila ou nas classes menos favorecidas, e não é verdade. A violência contra a mulher está em todas as casas e ambientes profissionais, veladas ou não. E este encontro tem como intuito amplificar os nossos conceitos ”, justificou.
O presidente da Comissão do Jovem Advogado da OAB/RS, Antonio Zanette, salientou que “esse é um tema de grande relevância para a sociedade, e por essa razão estamos aqui hoje para ampliar essa discussão e refletir para que possamos juntos tentar achar uma solução”.
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Painel
Na abertura do painel, a promotora de Justiça de Direitos Humanos do MPRS, Ivana Bataglin, exemplificou, através de posts de redes sociais e propagandas, como as pessoas se posicionam diante da violência contra a mulher. “Há marcas que cultuam a mulher como objeto, ou seja, cultivam de forma sutil a cultura do estupro. A percepção da própria vítima a respeito da violência também passa despercebida. Na violência doméstica, por exemplo, as mulheres não se percebem como vítimas antes de sofrerem a violência física, e no estupro é da mesma maneira. O que é estupro, o assédio, a violência e o respeito? Sabemos de fato? Precisamos ensinar, desde cedo, os meninos a saber respeitar, e não só as meninas a se defender”, argumentou. A promotora ainda complementou que “na cultura do estupro, as mulheres sempre estão em constante ameaça. Nenhum homem anda sozinho na rua com medo de outra coisa que não o assalto a mão armada. Nós mulheres, se andamos sozinha, temos muito medo de sermos estupradas”, afirmou.
A cada 11 minutos, uma mulher é vítima de violência sexual no Brasil, porém são estimados apenas 35% dos casos, já que a maioria das vítimas não denuncia por vergonha ou medo. A delegada de Polícia e coordenadora das DEAMs de Porto Alegre, Claudia Rocha Crusius, deu continuidade ao debate. Ela relatou alguns casos de violência contra a mulher que presenciou como delegada e colocou em discussão a questão da importância da mulher ser ouvida. “O machismo mora também nos detalhes, e muitas vezes isso passa batido no nosso cotidiano, justamente pela naturalização da violência contra a mulher. São pequenos gestos que parecem inofensivos, mas que limitam o espaço feminino”, acrescentou. Segundo ela, o assédio sexual é também constante. “Muitos homens utilizam do seu cargo de chefia, da autoridade, para intimidar as mulheres, ou seja, um comportamento que parece ser gentil, mas no fundo não é, dizendo como são bonitas, por exemplo, mas por trás disso há um assédio”, destacou.
Coordenadora do Coletivo Feminino Plural e mestre em Ciências Políticas, Télia Negrão esclareceu ainda que muitos usam a palavra estupro de forma errada, o que demonstra o total desrespeito ao tema. “O uso da palavra 'estupro' ficou banalizada, ou seja, é usada de forma errônea como 'o estupro da norma ou o estupro da lei'. Isso não existe! Quem é estuprado são pessoas e animais”, afirmou.
Segundo Télia, é preciso ser eliminada a cultura que banaliza e legitima a ideia de inferioridade. “Nós temos que construir uma outra cultura para se sobrepor a essa. E questionou: “Mas que outra cultura é essa que queremos construir? Temos que trabalhar nas novas gerações a impossibilidade de invasão da outra pessoa, ou seja, sexo não autorizado não é sexo, é violência. E nenhuma violência contra outro ser é tolerado, seja ela por orientação sexual, condição racial, religião, idade, forma física, o que for”, desabafou.
A doutora em Psicologia, Martha Narvaz, que trabalha há trinta anos com a temática da violência contra mulher, finalizou o painel dizendo que é preciso desconstruir essa cultura machista desde a escola infantil. “A gente segue reproduzindo a dissociação do masculino e do feminino desde sempre. É em cima disso que é construído esse juízo de valor sobre o machismo. Por que meninas têm que brincar com bonecas e panelinhas e os meninos com carros, caminhões e bolas? Há isso em escolas infantis como brinquedos separados de meninos e meninas. A cultura do machismo já inicia aí", finalizou.
Vanessa Schneider
Jornalista - MTE 17654
12/07/2016 18:49h