CEMPR debate consensualidade na esfera pública
04/09/2020 20:24h
A comunidade jurídica conheceu dois exemplos de sucesso na utilização dos métodos autocompositivos na administração pública, através do evento online realizado pela Comissão Especial de Mediação e Práticas Restaurativas (CEMPR), na quarta-feira (02). O Programa Mediar/RS da Polícia Civil do RS e a Câmara de Conciliação da Administração Federal (CCAF) foram detalhados em seus métodos e objetivos.
O vice-presidente acadêmico da CEMPR, Juliano Alves Lopes, ressaltou o trabalho da comissão na capacitação da advocacia: “Trabalhamos, em conjunto com a Escola Superior de Advocacia (ESA) da OAB/RS, na capacitação do advogado nos métodos de autocomposição. A atuação do advogado passou por uma transformação, e a gente sabe que na faculdade muitos não tiveram a oportunidade de adquirir esse conhecimento. Já tivemos conquistas importantes nesse sentido, a inclusão dos métodos autocompositivos nos currículos das faculdades e a consensualidade como disciplina obrigatória no exame da OAB/RS”, destacou.
A vice-presidente da administração pública da CEMPR, Tatiana de Marsillac Linn, foi mediadora do debate. A advogada ressaltou que, com alguns ajustes, é possível preservar as técnicas de mediação na administração pública: “As soluções precisam ser verdadeiramente consensuadas, com a participação ativa dos participantes. É um trabalho que exige paciência, estudos, dedicação, mas, aos poucos, acredito que estamos mudando a cultura adversarial que temos”, observou.
Mediação em matéria criminal
Apesar de existir desde 2013, o projeto Mediar/RS, desenvolvido pela Polícia Civil gaúcha, ainda causa estranheza no meio jurídico. Como conceitos da justiça restaurativa, da mediação de conflitos são aplicados dentro de uma delegacia de polícia?
A coordenadora do programa, delegada Sabrina Deffente, explica como funciona a aplicação da mediação no programa: “A justiça restaurativa é aplicada, pelo método da mediação, na resolução de conflitos criminais que chegam diariamente através dos boletins de ocorrência. Utilizamos a mediação nos delitos em que as ações penais sejam disponíveis ou nos casos passíveis de composição entre as partes, principalmente quando há relações de continuidade, sempre com adesão voluntária das partes”, explicou.
O projeto Mediar/RS iniciou como um programa piloto, em 2013, e, devido ao seu sucesso, hoje é um programa permanente da Polícia Civil, que serve de inspiração para as demais polícias judiciais do país.
“A nossa ideia sempre foia de evitar, dentro do possível, o que chamamos de espiral criminosa. O delito que não é tratado de uma forma rápida, tende a se agravar e se tornar delitos de maior gravidade. Notamos que as pessoas que buscavam a delegacia raríssimas vezes queriam a condenação da outra parte, o que queriam era, em um local seguro, expor seus sentimentos e frustações, escutar um pedido de desculpas ou apenas viver em um ambiente de mais tranquilidade”, assegurou.
Desde 2013, já foram realizadas 7.800 mediações, e o índice de reincidência das relações mediadas não chega a 1%. “Acredito que conseguimos devolver às partes o protagonismo sobre seus atos. O que explica a baixa reincidência, na minha opinião, é que o futuro daquela relação é decidido pelas partes e não por um terceiro. Acompanhando as audiências, percebi que, muitas vezes, as decisões tomadas pelas partes não seriam as tomadas por mim ou por um juiz, mas é a decisão viável e palpável pelas partes, o que facilita o cumprimento do que é acordado”, ponderou.
“Não há pacificação no judiciário”
A outra convidada do evento, coordenadora-geral da Câmara de Conciliação da Administração Federal (CCAF), Kaline Ferreira, falou sobre os prejuízos de uma ação judicial: “De forma geral, pacificação não se encontra no judiciário. Se encontra uma solução impositiva. E a falta de pacificação para relações contínuas e duradouras cria traumas”, argumentou.
Kaline destacou as mudanças que julga necessárias no comportamento dos advogados: “A CAAF espera que a advocacia esteja preparada para a mediação, precisamos de advogados negociadores, capazes de prestar assessoria aos seus clientes, fazer uma análise de riscos, saber até onde podem ir na negociação, que entendam a linguagem do mediador e dos outros participantes. Ser advogado não pressupõe que você está preparado para processos autocompositivos, é preciso se capacitar”, defendeu.
A advogada da União afirmou, ainda, que os órgãos de controle também devem apoiar mais as práticas restaurativas: “Todas as nossas estruturas precisam estar preparadas para isso. Nossos órgãos de controle conhecem muito pouco sobre a autocomposição, o que torna o desafio também interno”, avaliou.
04/09/2020 20:24h